O dia de gravação já vai longo, e ainda faltam alguns planos para terminar o job. Os últimos takes começam a ser encarados como uma corrida contra o tempo… certos detalhes sofisticados do roteiro, outrora imprescindíveis, são substituídos por opções mais práticas. Ao ver que não é possível substituir tudo, e já com a pressão da produção e do cansaço da equipe, a direção dispara:
“Não se preocupem, a gente resolve na pós!”.
E assim a vida da equipe de edição e VFX fica prestes de se complicar… Se eu fosse GenZ agora diria “cringe”… ou talvez não. Parece que é “cringe” dizer “cringe” agora… as tendências aparecem e desaparecem. O que infelizmente teima em não desaparecer é esta situação recorrente.
Qualquer profissional do audiovisual, em algum momento, já ouviu a dita frase antes, ao pé da letra ou alguma variante. Por exemplo:
“Dá pra consertar no Photoshop?”- perguntam os assessores do cliente – como se o Photoshop fosse uma panaceia para todos os males do audiovisual, como sequer funcionasse na edição de vídeo…
Diretores ou produtores podem dizer “resolvemos na pós”… é uma abordagem mais solidária, pelo menos estão se incluindo no problema. Mas sabemos perfeitamente no colo de quem a “bucha” vai cair…
“Vai dar tudo certo, o pessoal lá da edição é ph0d@!”…
Pois é! A pós-produção é uma parte essencial do processo de produção de vídeo. É quando são adicionados efeitos especiais, música e correção de cor e quando se junta tudo para criar o produto final. Mas também é nessa fase que, muitas vezes, são gastas inúmeras horas consertando problemas que, na maioria dos casos, poderiam ter sido evitados com um planejamento e execução adequados.
Produtores de vídeo experientes sabem que a verdadeira “magia” do cinema e vídeo acontece na fase de pré-produção. Eu pessoalmente amo o set de filmagem, é lá que me sinto bem e realizado. Mas valorizo demais quem é organizado e consegue pensar “dois passos à frente”… ou três.
A fase de planejamento é o momento para fazer brainstorming, pensar e criar a visão para nosso projeto. É onde são decididas as locações, os cenários e o figurino, as equipes e os equipamentos, os planos de câmera, a iluminação, o som, enfim… a aparência final do que almejamos para o projeto.
E é onde deveríamos trabalhar para evitar problemas que, de outra forma, teríamos que corrigir na pós-produção. Mas, apesar de todo o nosso planejamento e preparação, coisas podem e vão dar errado no set. A iluminação pode não estar totalmente correta, o som pode estar abafado ou um plano pode estar fora de foco.
E quando isso acontece, cabe à pós… resolver.
No seu cerne, “resolver na pós” é uma mentalidade que sugere que os problemas podem ser resolvidos depois do fa(c)to consumado. Talvez a iluminação não tenha ficado tão boa durante a filmagem ou a qualidade do áudio não esteja à altura. Ou quem sabe não exista uma incongruência no roteiro ou uma falha na atuação que não tenha sido percebida durante as filmagens. Quiçá alguém da equipe tenha esquecido um copo do Starbucks em cima da mesa do cenário (hello GoT!)…
Seja qual for o caso, a ideia generalizada é que esses problemas podem ser resolvidos na pós-produção, usando softwares de edição, color grading, VFX e outras técnicas. À primeira vista, pode parecer uma abordagem razoável. Afinal, o poder da tecnologia não é incrível nos dias de hoje? Não podemos consertar tudo na pós-produção?
Bem, a resposta curta é não. A resposta longa é não mesmo.
E aqui vai o porquê, na minha modesta opinião:
Embora os softwares de edição e VFX certamente possam melhorar enormemente um vídeo, eles não podem corrigir todos problemas fundamentais que foram criados durante o processo de filmagem. Se a iluminação não era suficiente, por exemplo, é possível corrigi-la um pouco na pós, mas dificilmente dará para disfarçar que as imagens originais não foram bem iluminadas. Da mesma forma, se o roteiro foi mal escrito ou a atuação foi fraca, a pós-produção não fará esses problemas desaparecerem magicamente.
Em segundo lugar, “resolver na pós” pode acabar custando mais tempo e dinheiro a médio e longo prazo. Para quem não estava convencido até agora, talvez o fator econômico faça mudar de perspectiva:
Se você está constantemente contando com a pós-produção para corrigir erros, irá inevitavelmente passar muito mais tempo na sala de edição, o que pode consumir mais do seu orçamento (que já por si pode ser baixo) e atrasar a conclusão do projeto. Além disso, quem confia na pós-produção para corrigir tudo, pode não estar dedicando tempo suficiente aos procedimentos corretos durante as filmagens, o que significa que acabará com mais problemas que precisam ser corrigidos na pós-produção.
Faz sentido? É um ciclo vicioso.
Acredito que a melhor abordagem seja a de priorizar fazer as coisas certas antes e durante as filmagens. Ou seja, planejar e executar como deve ser.
Isso significa dedicar tempo para obter a iluminação, o áudio e a atuação ideais durante a filmagem, em vez de presumir que tudo pode ser consertado mais tarde. Claro, sempre haverá coisas que precisam ser corrigidas na pós-produção, mas o objetivo deve ser minimizar esses problemas ao máximo.
No final das contas, todos queremos a mesma coisa – um resultado final top que pareça e soe otimamente e que comunique de forma eficaz a visão inicial e a mensagem que queremos transmitir. Ao nos concentrarmos na pré, por exemplo, minimizamos a necessidade de correções na pós, alcançando o nosso objetivo de maneira mais eficiente e com menos frustração.
Gostaria de enfatizar o conceito de frustração. Não é nada agradável!
Que tal fazermos um pacto para deixar a mentalidade de “a pós resolve” para trás, e abraçar o poder do planejamento e execução adequados? O resultado final com certeza será melhor, não concordam?